14/07/2020

Padre Cristiano Pinheiro: O semeador é o bom Deus

por Pe. Cristiano Pinheiro, Comunidade Católica Shalom

Jesus fala de um “terreno belo”, um terreno “capaz de transparência”, “capaz de refletir algo”, “capaz de assumir” o dom, “capaz de abraçar” e aderir à Palavra semeada… é, em suma, um terreno “capaz de acolher”. 11 julho 2020 No evangelho de hoje, segundo a narração de Mateus, Jesus conta uma parábola muito rica em […]

Jesus fala de um “terreno belo”, um terreno “capaz de transparência”, “capaz de refletir algo”, “capaz de assumir” o dom, “capaz de abraçar” e aderir à Palavra semeada… é, em suma, um terreno “capaz de acolher”.

No evangelho de hoje, segundo a narração de Mateus, Jesus conta uma parábola muito rica em detalhes, os quais a tornam particularmente profunda. Iniciamos com as belas palavras de São João Maria Vianney (o Cura d’Ars): “Se me perguntais o que quer Jesus Cristo dizer com este semeador que saiu de manhã para ir lançar a semente no seu campo, meus irmãos, [digo-vos que] o semeador é o bom Deus que começou a trabalhar na nossa salvação logo no princípio do mundo”.

O Senhor Jesus, “o Semeador”, sai de casa para “semear a Palavra do Reino”. A Palavra é uma Semente. Cristo é o Semeador, mas é ao mesmo tempo a própria Semente: Ele é a Palavra que sai da boca do Pai. Ou seja, o Filho de Deus é o próprio Deus que, por meio da Sua Palavra, sai de si e vem ao mundo, para dar ao mundo a vida, “vida em abundância”. (Cf. Jo 10,10)

Por um lado, vemos a semente, a própria Palavra desta parábola, ou seja, Cristo, Aquele que a conta, que é Ele mesmo o seu conteúdo, o seu significado. Por outro, contemplamos a forte imagem do Semeador, que é muito generoso, semeia de forma abundante, sem se importar onde cai a semente, porque Ele sabe que ela não depende disso para brotar e produzir o seu fruto. “A semente germina e cresce sem que se saiba como” (Cf. Mc 4,26-28; Mt 23,24-30).

Um terreno belo

Apesar do que lemos em nossas traduções da Bíblia (em português), o evangelista Mateus não fala propriamente de um “terreno bom”, mas ele usa, na verdade, o termo grego kalos, ou seja, “belo”. No texto de Mateus, Jesus fala de um “terreno belo”, um terreno “capaz de transparência”, “capaz de refletir algo”, “capaz de assumir” o dom, “capaz de abraçar” e aderir à Palavra semeada… é, em suma, um terreno “capaz de acolher”Esse é o terreno que poderá produzir muito fruto, copiosamente, de uma forma “desproporcionalmente grande”, incomparavelmente maior do que a semeaduraSerá o terreno “belo” – acolhedor do dom da Palavra – aquele que remediará a insuficiência dos terrenos que não produzem fruto.

É interessante notar que as estradas, nos tempos de Jesus, eram construídas sobre “terrenos bons”, pois era mais fácil fazê-las assim. E naturalmente, com o tempo, tendo sido batida e calcada, a terra dessas estradas se tornava dura e resistente como pedra, como rocha. Assim também é o nosso coração, o coração humano. Dentro de nós há áreas endurecidas, outrora belas e hoje ofuscadas, atualmente impedidas de acolher a semente da Palavra. Tal dureza faz com que a semente morra… virão os pássaros para arrancá-la de nós!

É curiosa a citação que o evangelista Mateus faz do profeta Isaías: “Por mais que escuteis, não compreendereis; por mais que olheis, não vereis.” (Mt 13,14) O coração do povo endureceu a tal ponto que seus olhos não conseguem mais ver e seus ouvidos não podem mais escutar, e assim seu coração não compreende e eles não se convertem. Para Mateus, essa “dureza de coração” do povo impede a sua conversão e, se não há conversão, se não há adesão de coração, não há germinação, não há frutos, a vida torna-se estéril, carente de significado profundo.

Uma lente de aumento em nossas vidas

Jesus, então, para amortecer os corações e suscitar a sua abertura, fala em parábolas, porque elas põem uma “lente de aumento” na concretude da nossa vida, fazendo-nos ver lá dentro – dentro da vida real, como ela é – a presença de Deus. Jesus Cristo é Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem: por isso, acolhendo e meditando o Seu mistério, a Sua Palavra, temos acesso à vida de Deus “escondida” na vida da humanidade, à qual Jesus é sensível, sobre a qual tem sincero interesse, dentro da qual – e em cuja fragilidade – quer revelar os Seus divinos segredos, a profundidade do Seu Amor.

Por isso, o Senhor pode falar do Reino dos Céus a partir das imagens mais corriqueiras e cotidianas, usando como “ilustração” qualquer momento ou situação da vida humana. Sementes, plantação, terrenos, estrada: a Beleza da Verdade e da Bondade de Deus é partilhada conosco, desejosa de ser acolhida e refletida pelo “terreno belo” do nosso interior, transfigurando toda a nossa vida, transformando tudo em ‘Evangelho’.

Cristo – Deus e Homem – nos permite ver “Deus dentro” de todo e qualquer momento, trabalho, drama ou vicissitude da nossa humanidade. Portanto, Jesus não apenas nos “ensina” o Reino dos Céus, mas nos faz ver a presença desse Reino Santo já no meio de nós.

Acolher a semente

A nossa vida de fé é infinitamente mais do que apenas um “conhecimento” ou uma “observância”; ela é “contemplação”, é relação, é uma postura existencial que nos permite viver “uma vida de beleza”. Se acolhermos a semente, viveremos em constante processo de conversão à Palavra do Pai, deixando com que ela penetre nas profundezas do nosso ser, evangelize os nossos sentidos, cure os nossos olhos e ouvidos e anuncie a Boa Nova à mente e ao coração. Por meio desse fecundo acolhimento vivemos, então, a “liberdade gloriosa dos filhos de Deus”. (Rm 8,21)

A Palavra-Verdade, acolhida na Beleza, torna-se a “vida da nossa vida”, fibra essencial do nosso ser, fazendo com que nós sejamos totalmente transformados em Evangelho! O sombrio e triste “reino do homem”, auto-referencial e preso “aos sofrimentos do tempo presente”, é transfigurado no luminoso e belo “Reino dos Céus”, onde a excessiva e santa glória de Deus “será revelada em nós”. (Cf. Rm 8,18)

As palavras do profeta Isaías nos convocam a ser acolhedores de tudo aquilo que nos vem presenteado, doado, comunicado como graça “do alto”: “a chuva e a neve descem do céu” (Is 55,10) para fecundar a nossa vida com a Palavra e fazê-la germinar, gerando frutos de santidade e eternidade em nós. Uma vez que, com amor e desejo, recebemos o dom da Palavra, nossa terra se torna Céu!

A fim de poder acolher largamente o dom do alto, “não sejamos mais esse caminho onde a semente é pisada por quem passa e onde o nosso inimigo a agarra como os pássaros. Nem essas pedras onde uma terra pouco profunda faz germinar rapidamente um grão que não consegue resistir ao calor do sol. Nunca mais esses espinhos, as ambições deste mundo, este hábito de fazer o mal. Com efeito, que coisa pior pode haver do que aplicar todos os esforços a uma vida que impede de chegar à Vida? Que coisa mais infeliz que escolher esta vida e acabar perdendo a Vida? Arranquemos os espinhos, preparemos o terreno, recebamos a semente, aguentemos até a colheita” (Santo Agostinho), quando enfim seremos emancipados da escravidão da corrupção para obter a glória, a filiação, a vida celeste, maior que o mundo.

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