Sínodo: um laboratório para aprendermos a ser Igreja
O padre Sérgio Leal afirma que a sinodalidade não é apenas para analisar e avaliar a realidade social, cultural e eclesial, mas “deve moldar todas as decisões eclesiais”. O especialista em sinodalidade, considera que uma diocese que não tenha assumido o caminho sinodal proposto pelo Papa, não está a assumir o caminho da Igreja.
Rui Saraiva – Portugal
No final do mês de janeiro, o cardeal Mário Grech, secretário geral do Sínodo e o cardeal Jean-Claude Hollerich, arcebispo do Luxemburgo e relator geral do Sínodo, enviaram uma carta aos bispos de todo o mundo sublinhando alguns aspetos a ser tidos em conta nas assembleias sinodais continentais que estão a decorrer neste início de ano.
Recomendações sinodais
No texto publicado é feito um aviso a todos aqueles que “presumem já saber quais serão as conclusões da Assembleia Sinodal” e também uma advertência para aqueles que “gostariam de impor uma agenda ao Sínodo, com a intenção de dirigir a discussão e condicionar os seus resultados”.
A carta da Secretaria Geral do Sínodo recorda que o Documento para a Etapa Continental foi desenvolvido fazendo ressoar a “voz das Igrejas Particulares” e sublinha que “é precisamente devido ao vínculo entre as diferentes fases que outros temas não podem ser introduzidos sub-repticiamente, instrumentalizando a Assembleia e descurando a consulta do Povo de Deus”.
Os responsáveis recordam a questão que dinamizou o Concílio Vaticano II “Igreja que dizes de ti mesma?” e assinalam que é através do caminho sinodal que se encontra uma resposta para esta questão.
“A longa viagem de receção do Concílio leva-nos a dizer que a resposta está na Igreja «constitutivamente sinodal», onde todos são chamados a exercer o seu próprio carisma eclesial em vista do cumprimento da missão comum de evangelização”, assinala a carta.
“Trata-se de continuar por este caminho, não confundindo sinodalidade com um método apenas, mas assumindo-a como uma forma da Igreja e um estilo de realização da missão comum de evangelização”, pode-se ler na carta da Secretaria Geral do Sínodo.
Caminho sinodal, caminho da Igreja
Sobre o andamento do Sínodo iniciado pelo Papa Francisco em 2021, o padre português Sérgio Leal, especialista em sinodalidade, considera que uma diocese que não tenha assumido o caminho sinodal proposto pelo Papa, não está a assumir o caminho da Igreja.
“Se uma diocese não assumiu o caminho sinodal proposto pelo Papa, não assume aquilo que é o caminho da Igreja. Porque o Papa não propõe mais do que aquilo que a Igreja é em si mesma: um povo que caminha em conjunto. E, por isso, nos escritos do Papa percebemos claramente que isto implica o nosso modo de ser Igreja, que a sinodalidade é um “modus vivendi et operandi”, isto é, faz parte da identidade e da realização da ação da Igreja. E se não nos abrimos a este estilo sinodal de ser Igreja estaremos aquém daquilo que a Igreja é em si mesma. O Papa propõe um caminho novo na medida em que nos alerta para aquilo que é voltar às nossas raízes da identidade, àquilo que é a Igreja em si mesma, como um povo que caminha na unidade do Pai, do Filho e do Espirito Santo”, salienta.
Repensar o ministério ordenado
Para o padre Sérgio Leal, a sinodalidade não significa um anular da hierarquia da Igreja, mas sublinha a necessidade de um repensar do ministério ordenado.
“O cardeal Grech dizia que dos escritos do Papa sobressai a dimensão do discernimento e também o repensar do ministério ordenado. E é fundamental isto: a sinodalidade não significa um anular da hierarquia da Igreja, pois acontece no interior de uma Igreja hierarquicamente organizada, diz o documento da Comissão Teológica Internacional. Mas há aqui um repensar do ministério ordenado que é fundamental e que a sinodalidade reclama e que tem de encontrar por parte da hierarquia a docilidade necessária para isso”, assinala.
Escutar a voz de Deus e a voz do povo
O sacerdote salienta a necessidade do ministério ordenado ser repensado a partir da escuta da voz de Deus e da voz do povo.
“O ministério ordenado é um ministério de condução pastoral. O ministro ordenado preside à comunidade: o bispo à diocese, o pároco à paróquia em nome de Cristo, cabeça e pastor. E a sinodalidade não retira isto. E aquele que tem a missão de conduzir o povo de Deus, tem a missão de escutar a voz de Deus, do qual nasce o seu ministério, e de escutar a voz do povo, para quem o seu ministério se ordena. E é a partir daqui que o ministério ordenado deve ser repensado. Não se retira essa capacidade de propor, de liderar, mas faz-se sempre a partir daqui”, afirma.
Sinodalidade deve moldar as decisões eclesiais
O especialista em sinodalidade salienta que o Papa Francisco quer fazer do Sínodo um laboratório para aprendermos a ser Igreja. E um sinal importante foi ter criado a Secretaria Geral do Sínodo como estrutura permanente.
“Creio que o Papa Francisco tem dado sinais de que quer dizer, claramente, que a sinodalidade não é um conjunto de eventos, mas é uma dimensão constitutiva da vida da Igreja, é um estilo. Antes do Papa Francisco, sempre que se realizava um Sínodo constituía-se uma Secretaria Geral do Sínodo. O Papa Francisco quis deliberadamente criar uma Secretaria Geral do Sínodo estável para dizer que a sinodalidade é uma dimensão constitutiva da vida da Igreja. É um estado permanente de ser Igreja. Este prolongar, criando uma segunda assembleia sinodal, a mim pareceu-me, em primeiro lugar, que é este dizer que a sinodalidade não se resume a um evento a uma assembleia. É um prolongar no tempo este modo de ser Igreja. E que este evento sinodal que estamos a viver, seja uma espécie de laboratório para a Igreja: um modo de aprendermos a ser Igreja. De criarmos também a nível local e paroquial processos de escuta e de decisão. Porque nós estamos no processo de escuta, mas, como diz o Papa, a sinodalidade deve moldar todas as decisões eclesiais. Este estilo de ser Igreja não é apenas analisar e avaliar a realidade social, cultural e eclesial. Porque este pode ser o risco deste caminho sinodal: fazer boas análises e ouvir as pessoas, mas se isto não for a base que depois implica decisão e projeção ficará muito aquém. Será um caminho de desilusão para muitos, que no esforço de escutar a todos, de falar com liberdade e escutar com humildade, levará a perceber que tudo isto fica no âmbito da análise e da avaliação, no terreno do diagnóstico e muito pouco da atuação”, refere o sacerdote.
O padre Sérgio Leal é um dos principais especialistas de língua portuguesa em sinodalidade, encontrando-se na fase final do seu doutoramento. A sua tese de licenciatura em Teologia Pastoral na Universidade Lateranense em Roma foi sobre a sinodalidade como estilo pastoral. Em outubro de 2021 publicou o livro “O caminho sinodal com o Papa Francisco”. Na diocese do Porto, em Portugal, é formador do Seminário Maior, pároco da Sé e docente da Universidade Católica Portuguesa.
Por estes dias o padre Sérgio Leal participa online, em representação da sua diocese do Porto, na Assembleia Sinodal Continental da Europa. Uma assembleia que está a decorrer em Praga na República Checa de 5 a 12 deste mês de fevereiro.
“Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” é o tema do Sínodo. A primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos será de 4 a 29 de outubro deste ano de 2023. Em outubro de 2024 realiza-se uma segunda sessão desta assembleia.
Laudetur Iesus Christus
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