28/09/2017

Presidente de comissão da CNBB comenta decisão sobre ensino religioso

Dom João Justino comenta decisão do STF e esclarece que aprovação do ensino religioso não fere laicidade

Kelen Galvan
Da Redação

Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto ao ensino religioso confessional nas escolas públicas, o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura e Educação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom João Justino de Medeiros Silva, comenta a decisão, em entrevista ao noticias.cancaonova.come esclarece que esta aprovação não fere a laicidade do estado.

Dom Justino, que é bispo coadjutor de Montes Claros (MG), destaca que o fato da escola oferecer o ensino religioso não significa dizer que ela está favorecendo uma religião ou fechando com uma tradição religiosa, mas está prestando um serviço àquele cidadão.

Leia a entrevista na íntegra:

Como a Igreja recebe esta notícia da aprovação do STF quanto ao ensino religioso nas escolas públicas?

Dom Justino: A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil recebe com muita alegria este resultado, dado pelo julgamento no Supremo Tribunal Federal que reconhece a possibilidade do ensino religioso confessional. Nos último anos, a partir do Acordo entre o Brasil e a Santa Sé havia uma apreensão em razão do artigo 11, que resguarda este direito de a igreja ter acesso às escolas públicas para oferecer o ensino religioso confessional aos alunos que assim desejarem, considerando que a Constituição assegura o ensino religioso, mas de matrícula facultativa.

O grande desejo da Igreja é que os pais católicos e outros que também quiserem matriculem seus filhos na disciplina e ali haverá o ensino religioso de matriz católica, diferente da catequese que ocorre nas comunidades.

Qual a principal diferença entre a catequese que acontece nas paróquias e o ensino religioso em sala de aula?

Dom Justino: Talvez nós pudéssemos considerar a principal diferença que na comunidade católica, enquanto comunidade paroquial, há todo um processo de iniciação à vida cristã, no espírito próprio de uma comunidade que se encontra para escutar a Palavra de Deus, para celebrar a sua fé, para ritualizar sua experiência de adesão à fé cristã.

No ambiente escolar, embora tenha uma dimensão comunitária, por se tratar de um grupo em sala de aula, ali a vertente não é propriamente a celebração da fé, mas o aprendizado propriamente daquilo que é a tradição católica. Inclusive porque numa sala de aula os alunos, embora católicos, vêm de comunidades e paróquias diferentes, onde a pertença está vinculada geralmente à proximidade da casa onde residem.

Então ali, há um aprofundamento do que é a identidade católica, mas não na perspectiva propriamente celebrativa, própria da comunidade eclesial.

Então pode-se dizer que o ensino religioso é catequético também ou é apenas para ensinar valores humanos?

Dom Justino: Esta é a diferença do ensino religioso confessional. A questão de ter uma disciplina de ensino religioso que se preocupa em passar valores que brotam as experiências diferentes, de diferentes matrizes religiosas é também positiva. No entanto, isso não precisaria ser exclusivo do ensino religioso.

Eu entendo que todo o ensino passa valores, que todo educador, mesmo sendo professor de matemática, química, história ou português deveria atuar enquanto professor como alguém apresenta para seus educandos, seja a partir da relação com os educandos ou dos conteúdos que oferece, condições deles assimilarem esses valores que consideramos valores universais: o respeito à vida, às pessoas, o sentido da verdade, justiça.

Esses valores não dependeriam propriamente do conteúdo religioso. Ora, o ensino religioso seria um espaço onde estes valores serão reforçados e se dará espaço para conhecer aquela identidade religiosa, na perspectiva confessional, que é o que o Acordo Brasil / Santa Sé prevê.

Isso significa que outras identidades confessionais também poderão oferecer aos seus membros, via comunidade escolar, o conhecimento daquela identidade. Na verdade, isso responderia ao fato de que quando alguém faz a escolha de adesão à uma fé, na escola ela não abre mão dessa adesão. Ali também pode ser o espaço em que ela aprofunda a própria fé.

De que forma ele pode contribuir para a formação das crianças?

Dom Justino: Isso talvez seja o mais fácil da gente reconhecer. O ensino religioso, enquanto vai apresentar, do ponto de vista católico, a identidade da fé católica. Esses conteúdos da fé cristã católica têm toda a chance de oferecer às crianças, que são católicas e optam por estar na sala de aula no momento do ensino religioso de matriz católica, toda a oportunidade de fazer uma experiência de escuta, de conversas e contatos, para enriquecer sua experiência de vida, a compreensão do que é a experiência religiosa católica, de compreender mais a fundo o que de fato está como razão da própria fé.

Não há aqui nenhuma dificuldade em poder oferecer no espaço escolar o aprofundamento da experiência da fé.

Um dos argumentos utilizados, por quem era contra o ensino religioso, era de que feriria a laicidade do estado. Isso procede de fato?

Dom Justino: Aqui há uma confusão bastante presente e um grande debate sobre o que é a laicidade do estado. A laicidade do estado é exatamente a separação entre o estado e a religião. Isso é favorável, é importante. A própria Igreja Católica ganha com isso, porque as coisas não se confundem. O que é do estado e o que é da religião, no nosso caso, católicos, o que é da Igreja.

No entanto, um estado laico não é um estado ateu. E inclusive, nós podemos dizer que a nação brasileira não é uma nação ateia. Pelo contrário, somos um povo profundamente religioso.

Ora, alunos de uma escola, pela sua idade, estão sendo iniciados nas práticas religiosas de suas famílias. A escola, embora seja estatal, ela exatamente não fecha com uma tradição religiosa. Houve inclusive notícias, eu observei ontem, dizendo que o supremo definiu que agora todo mundo terá ensino católico, não é isto. A própria Constituição prevê que seja de matrícula facultativa e, mais, já existe esta prática em alguns lugares, de que os alunos participam do ensino religioso de modo afiliado.

A laicidade não está ferida, porque o aluno é uma pessoa de fé, que tem uma opção religiosa. E quando a escola oferece para ele a possibilidade de que no ensino religioso ele aprofunde a própria fé, a escola não está fechando com aquela tradição religiosa, está prestando serviço àquele cidadão. Isso não fere o princípio da laicidade.

Agora, se houvesse da parte do estado brasileiro uma definição de que acontecerá em todas as escolas o ensino religioso católico, ou de outra religião, obrigatório para todos os alunos, isso sim feriria a laicidade. Mas não é isso que a lei diz.

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