08/03/2024

“O ‘solvente’ de todo medo é Cristo”, afirma Cardeal Cantalamessa

Na terceira pregação da Quaresma, pregador da Casa Pontifícia refletiu sobre passagem em que Jesus afirma “eu sou o bom pastor”

O pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa, fez a terceira pregação da Quaresma nesta sexta-feira, 8. Seguindo com as reflexões sobre algumas das autoproclamações feitas por Jesus, ele comentou a passagem do Evangelho de São João em que o Senhor afirma “eu sou o bom pastor”.

Eu sou o bom pastor. Eu conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas. (Jo 10,14-15)

Cantalamessa destacou que o Bom Pastor é classicamente representado no esplendor da juventude, carregando uma ovelha sobre as costas, bem segura pelas patas. Porém, essa representação que atribui o papel de ovelha e de rebanho ao homem, comentou, é orgulhosamente rejeitada nos dias atuais.

Contudo, o cardeal apresentou a incoerência humana ao pensar dessa forma diante do fenômeno da massificação. “Imprensa, televisão, internet, são chamados “meios de comunicação de massa”, não só porque informam as massas, mas também porque as formam, massificam”, explicou.

O pregador da Casa Pontifícia apontou como atualmente são criados modelos “ideais” de bem-estar, de comportamento e de progresso, e as pessoas os adotam, com medo de “perder o passo” sob a influência da publicidade. “Comemos o que nos dizem, vestimos como impõe a moda, falamos como ouvimos falar”, sintetiza.

O Bom Pastor

Frente a isso, o prelado voltou a concentrar-se na figura do Bom Pastor proposta por Jesus. Ele explanou que, no início, o povo de Israel era formado por pastores nômades e, nessa sociedade, a relação entre pastor e rebanho é desenvolvida de forma quase pessoal. “O pastor acaba por conhecer tudo de cada ovelha; a ovelha reconhece a voz do pastor, que, frequentemente, fala em voz alta com as ovelhas, como se fossem pessoas”, afirmou, enfatizando o motivo pelo qual Deus se serviu desta imagem, hoje ambígua.

Com a passagem da situação de tribos nômades a de povo sedentário, prosseguiu, o título de pastor foi dado “também àqueles que fazem as vezes de Deus na terra”, como reis, sacerdotes e chefes em geral. A partir disso, observou Cantalamessa, o símbolo se divide e “não evoca mais apenas imagens de proteção, de segurança, mas também de exploração e opressão. Ao lado da imagem do bom pastor, aparece a do mau pastor”.

Procurarei a ovelha perdida, reconduzirei a desgarrada, enfaixarei a quebrada, fortalecerei a doente. (Ez 34,16)

A Bíblia narra que o profeta Ezequiel denuncia os maus pastores, e a esse alerta segue-se uma promessa – “Deus mesmo, um dia, assumirá o cuidado amoroso de seu rebanho”. Desta forma, Jesus é o cumprimenta daquilo que havia sido prometido, superando toda expectativa.

Neste ponto, disse o cardeal aos presentes na Sala Paulo VI, é preciso trazer à mente o intuito de primeiro “fazer penetrar o Evangelho em nossa vida, para depois poder anunciá-lo ao mundo com mais credibilidade”. Ele recordou Santo Agostinho, pontuando que, em relação ao povo de Deus, o papel assumido é o de pastor, mas diante do Senhor, todos são ovelhas.

“Não tenhas medo”

Diante disso, o pregador da Casa Pontifícia lembrou que Deus afirma, na Bíblia, o tempo todo, que seu povo não deve ter medo. “O medo é a nossa condição existencial; ele nos acompanha desde a infância até a morte”, afirmou, acrescentando que a palavra de Jesus “Nolite timere” não é vazia e impotente, mas uma palavra eficaz, quase sacramental.

Debruçando-se sobre este tema, o prelado descreveu o medo como “a reação a uma ameaça ao nosso ser, a resposta a um perigo real ou presumido” e “uma manifestação do nosso instinto fundamental de conservação”.

Ele também observou que a psicologia e a psicanálise buscam tratar medos e neuroses analisando-os e trazendo-os do inconsciente ao consciente. O Evangelho, por sua vez, não desvia destes meios, porém, “a libertação não está em uma ideia ou em uma técnica, mas em uma pessoa: o ‘solvente’ de todo medo é Cristo”.

Jesus venceu todos os medos e angústias

Assim libertou os que, por medo da morte, estavam a vida toda sujeitos à escravidão. (Hb 2,15)

O cardeal destacou que Jesus venceu a coisa que mais causa medo aos homens no mundo, que é a morte. Da mesma forma, nem a altura, nem a profundeza (cf. Rm 8,38-39), medos cósmicos aos quais a humanidade está exposta ao perceber intensamente a sua vulnerabilidade de um modo violento e enlouquecedor, podem afastar o homem do Senhor.

“Não é jogar sobre Deus as nossas responsabilidades”, explicou Cantalamessa, “mas crer, que, no fim, ‘tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus’ [e que Deus ama!] (cf. Rm 8,28). Quando se deve tratar com Deus, a medida é a eternidade. Podemos ficar desiludidos no tempo, mas não pela eternidade”.

Neste contexto, o pregador da Casa Pontifícia apontou para aquele que é o maior consolo dos homens frente aos seus medos – a promessa de Jesus de dar a vida por suas ovelhas, que se cumpriu. “Ele tomou sobre si os nossos medos”, frisou, recordando o episódio em que Jesus chorou no Horto das Oliveiras antes da sua Paixão.

Ele, nos dias de sua vida terrena, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que tinha poder de salvá-lo da morte. (Hb 5,7)

Tomando os medos e angústias dos homens sobre si, Jesus também os redimiu. Ele “fez dos medos e das angústias ocasiões de crescimento em humanidade e em compreensão dos demais”, complementou o prelado.

Viver na presença do Senhor

Contudo, ainda há um segundo grande anúncio do Evangelho que consola a humanidade. Após a ressurreição, nas aparições que Jesus faz aos discípulos, ele afirma: “eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (cf. Mt 28,20). O Senhor “não nos deu só o exemplo de como vencer a angústia, mas deu-nos o meio para vencê-la: a sua presença e a sua graça”, enfatizou Cantalamessa.

Por fim, ele comentou que, apesar de nem sempre o homem conseguir se livrar do medo e da angústia, é possível libertar alguém (ou ajudar a se libertar) deles. “Devemos ser também nós – pastores ou simples fiéis – igualmente pobres doentes que curam os demais”, sintetizou o cardeal.

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