O vício da inveja e a tristeza pelo bem alheio
por Por Juan José Léniz UlloaMas afinal, no quê consiste o pecado da inveja? 1 julho 2020 O Catecismo da Igreja Católica (CIC) ensina que a inveja “designa a tristeza que se sente perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele, mesmo indevidamente” (CIC 2539). A Sagrada Escritura apresenta a inveja como um mal que gera […]
Mas afinal, no quê consiste o pecado da inveja?
O Catecismo da Igreja Católica (CIC) ensina que a inveja “designa a tristeza que se sente perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele, mesmo indevidamente” (CIC 2539).
A Sagrada Escritura apresenta a inveja como um mal que gera muitos outros. O vemos presente desde o Gênesis, quando Caim não se alegrou de ver que Deus se agradara da oferta do seu irmão Abel, o que mais tarde o levaria a deixar-se levar pela ira e mata-lo (cf. Gn 4).
No coração da Lei de Deus, que apresenta o reto agir moral, encontra-se a censura da inveja. No livro do Êxodo, em que está contida a narrativa da manifestação do Decálogo (centro da moral cristã), o décimo mandamento proíbe se deixar levar pela inveja: “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás à mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem nada do que lhe pertence” (Ex 20,17).
A gravidade da inveja, reside na dinâmica própria que lhe merece o título de vício “capital”, ou seja, na disposição a outros pecados. Por exemplo, basta lembrar da história que Natã conta a Davi, na qual ele revela que foi por inveja que o rei tomou a mulher de Urias (cf. 2Sm 12,1-4), levando-o a cair em graves pecados como o adultério e o homicídio.
A literatura sapiencial recorda em numerosas ocasiões o mal que a inveja traz consigo: “A inveja leva o tolo à morte” (Jo 5,2); “A inveja é a cárie dos ossos” (Prov 14,30); “crueldade do furor, ímpetos da cólera; mas quem pode suporta a inveja?” (Prov 27,4). Nesta linha, provavelmente o livro da sabedoria traga umas das afirmações mais determinantes: “Foi pela inveja do demónio que a morte entrou no mundo” (Sb 2, 24), referindo-se ao pecado de Lúcifer de invejar Deus.
É a partir desta verdade que o Catecismo, ao falar deste vício, cita Santo Agostinho que via na inveja ‘o pecado diabólico por excelência’, e a São Gregório Magno quando diz: “da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pelo mal do próximo e o desgosto causado pela sua prosperidade” (cf. CIC 2539).
No Novo Testamento, o cenário é o mesmo. Jesus Cristo afirma que a inveja é um dos males que sai do coração do homem e o torna impuro (cf. Mc 7,21-23). Por isso, São Paulo conta a inveja como uma das obras da carne (cf. Gl 5, 19-21), aquelas que quem as praticar -adverte o Apóstolo- não herdará o reino de Deus. Ainda exorta na Carta aos Gálatas: “não sejamos ávidos da vanglória. Nada de provocações, nada de invejas entre nós” (Gl 5, 26), e ainda aos cristãos de Roma diz: “nada de contendas, nada de inveja” (Rm 13, 13).
São Tiago adverte sobre as consequências da inveja: “onde houver inveja e contenda, ali há também perturbação e toda espécie de vícios” (Tg 3,16). Por isso, São Pedro exorta: “Deponde, pois, toda malícia, toda astúcia, fingimentos, invejas e toda espécie de maledicência” (1 Pd 2,1).
A tristeza pelo bem alheio
Diferente do que muitos tendem a pensar, a inveja não apenas consiste em “querer aquilo que o outro tem”. Sendo assim, não passaria de uma admiração, e inclusive, se houver fins e meios lícitos, então nem estaríamos falando de um pecado. Indo um pouco mais a fundo, se trata de que “o bem do outro é considerado um mal pessoal” (ST, II-II q. 36, art. 1), como ensina Santo Tomás de Aquino. Como falamos no início, a inveja está diretamente atrelada à tristeza pelo bem alheio.
Em certos casos, podemos achar que nossos irmãos não são dignos de receberem os bens que lhes sobrevêm. Apesar de que isto pode chegar a ser verdade, não cabe a nós fazer esse julgamento. Lembremos que só há um Juiz, e que Deus distribui seus bens como Ele quer.
Em outro caso, pode acontecer que, de alguma forma, o bem do outro venha nos ameaçar (por exemplo, o sucesso de um inimigo), e isso nos cause tristeza. Ora, nesse caso, então não se trata de inveja, antes o sentimento surge do medo. A inveja se dá quando nos entristecemos pelo bem do outro porque este parece vir diminuir a nossa “glória”.
Atenção! Esta glória é totalmente vazia e mentirosa. A glória pertence unicamente a Deus. É ali que reside o mal da inveja: na vanglória que, como a sua construção etimológica sugere, é vã e não deixa de ser uma forma de orgulho.
A inveja gera-se a partir da frustração de um escondido desejo de ser superior ao irmão. Santo Tomás chama a atenção a que ninguém sente inveja de quem cuja realidade está muito distante. Por exemplo, ninguém de classe média sentiria inveja real de um multimilionário, mas sim do colega de igual posição no trabalho que recebe um pequeno aumento no salário; no contexto eclesial, não invejamos a autoridade do Papa, mas sim a confiança que as autoridades expressam no irmão mais próximo.
Ser cristão é “alegrar-se com os que alegram e sofrem com os que sofrem”, o que contraria o invejoso que se entristece com a alegria do outro. A inveja se opõe à caridade, pois ela “não é invejosa” (1 Cor 13,4). Dá origem a inúmeros outros pecados e vícios que afetam diretamente os outros, tais como murmurações, calúnias, ira, discórdia, ódio, entre outras.
Às vezes se fala em uma “inveja santa”. Sabemos que é apenas uma forma de dizer, porém, é necessário dizer: em estrito rigor, não há como conjugar inveja e santidade. Ou é uma coisa ou é outra. Vejamos bem. Santo Tomás afirma que a inveja é um pecado mortal e que se opõe à caridade e à misericórdia (ST II-II, q. 36, art. 3).
Ora, o pecado é a negação de Deus, o amor e a misericórdia são características divinas. Se Deus é O Santo, então, não pode haver comunhão entre “inveja” e “santidade”. O que pode existir em relação aos outros e às suas realizações, bens e dons, e que pode ser confundido com inveja, é admiração e que chegue, inclusive, ao desejo de imitar (lembremos que Paulo sugeria: “sede meus imitadores como eu sou de Cristo”).
Se isso nos aproxima de Deus, nada tem de errado. O indicador a este respeito será a tristeza pela alegria do outro. Se há presença de tristeza, então é inveja e devemos combate-la; se há alegria e esperança, então provavelmente não se trate de inveja, mas de admiração.
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