18/03/2017

Frei aborda papel do Espírito Santo no conhecimento de Cristo

por Da Redação

Segunda pregação da Quaresma deste ano, dedicada ao tema “O Espírito Santo nos introduz no mistério da divindade de Cristo” Da Redação O Pregador oficial da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa, proferiu nessa sexta-feira, 17, a segunda pregação da Quaresma deste ano, dedicada ao tema “O Espírito Santo nos introduz no mistério da divindade de […]

Segunda pregação da Quaresma deste ano, dedicada ao tema “O Espírito Santo nos introduz no mistério da divindade de Cristo”

Da Redação

O Pregador oficial da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa, proferiu nessa sexta-feira, 17, a segunda pregação da Quaresma deste ano, dedicada ao tema “O Espírito Santo nos introduz no mistério da divindade de Cristo”.

Na primeira pregação, o Frei refletiu o tema “Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo”, extraído da Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 12,3).

Leia a íntegra da segunda pregação

1. A fé de Nicéia

Continuamos, nesta meditação, a reflexão sobre o papel do Espírito Santo no conhecimento de Cristo. A este respeito, não podemos silenciar uma ideia presente no mundo de hoje. Há muito tempo existe um movimento chamado “Hebreus messiânicos”, ou seja, Hebreus-cristãos. (“Cristo” e “cristão” são apenas a tradução grega do hebraico Messias messiânico!). Uma estimativa fala de cerca de 150 mil membros, divididos em grupos e associações entre eles, espalhados especialmente nos Estados Unidos, Israel e vários países europeus.

São hebreus que acreditam que Jesus, Yeshua, é o Messias prometido, o Salvador e o Filho de Deus, mas não querem absolutamente renunciar de sua identidade e tradição hebraica. Não aderem oficialmente a nenhuma das Igrejas cristãs tradicionais, porque pretendem reconectar-se e reviver a Igreja primitiva dos judeu-cristãos, cuja experiência foi interrompida bruscamente por conhecidos eventos traumáticos.

A Igreja Católica e as outras Igrejas sempre se abstiveram de promover, ou até mesmo nomear, este movimento por óbvias razões de diálogo com o hebraísmo oficial. Eu mesmo nunca falei deles. Mas agora está surgindo a convicção de que não é correto continuar a ignorá-los ou, pior, pô-los no ostracismo de um lado e do outro. Acaba de surgir na Alemanha um estudo de vários teólogos sobre o fenômeno[1]. Se eu falo nesta sede é por um motivo específico, pertinente ao tema destas meditações. Em uma pesquisa sobre os fatores e circunstâncias que estiveram presente na origem da sua fé em Jesus, mais de 60% das pessoas em causa respondeu: “uma transformação interior por obra do Espírito Santo”; em segundo lugar é a leitura da Bíblia e em terceiro os contatos pessoais[2]. É uma confirmação da vida que o Espírito Santo é aquele que dá o verdadeiro e íntimo conhecimento de Cristo.

Retomemos, portanto, o fio das nossas considerações históricas. Enquanto a fé cristã permaneceu restrita ao âmbito bíblico e judaico, a proclamação de Jesus como Senhor (“Creio em um só Senhor Jesus Cristo”), satisfazia todas as exigências da fé cristã e justificava o culto de Jesus “como Deus”. Senhor, Adonai, era, de fato, para Israel um título inequívoco; ele pertence somente a Deus. Chamar Jesus Senhor, portanto, é o mesmo que proclamá-lo Deus. Temos provas irrefutáveis do papel desempenhado pelo título Kyrios no início da Igreja como expressão de culto divino atribuído a Cristo. Na sua versão aramaica Maran-atha (O Senhor vem), ou Marana-tha (Vem, Senhor!), já aparece em São Paulo como fórmula litúrgica (1 Cor 16, 22) e é uma das poucas palavras preservadas na língua da comunidade primitiva[3].

Mas assim que o cristianismo entrou no mundo greco-romano ao redor, o título de Senhor, Kyrios, não era suficiente. O mundo pagão conhecia muitos e diversos “senhores”, em primeiro lugar, é claro, o imperador romano. Era necessário encontrar uma outra maneira de garantir a plena fé em Cristo e o seu culto divino. A crise ariana ofereceu uma oportunidade.

Isso nos leva à segunda parte do artigo sobre Jesus, que foi adicionada ao símbolo da fé no Concílio de Nicéia, em 325:

“nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial (homoousios) ao Pai”.

O bispo de Alexandria, Atanásio, indiscutível paladino da fé de Nicéia, está bem convencido de que não foi ele, nem a Igreja de seu tempo, que descobriu a divindade de Cristo. Todo o seu trabalho consistirá, pelo contrário, em mostrar que esta sempre foi a fé da Igreja; que nova não é a verdade, mas a heresia contrária. A sua convicção sobre este ponto encontra uma confirmação na carta que Plínio o Jovem, governador da Bitinia, escreveu ao imperador Traiano por volta do ano 111 d.C. A única informação confiável que ele diz que tem sobre os cristãos é que “normalmente se reúnem antes do amanhecer, em um dia fixo da semana, e cantam hinos a Cristo como a Deus” (“carmenque Christo quasi Deo dicere[4]”).

A crença na divindade de Cristo, portanto, já existia e é só ignorando completamente a história que alguém poderia afirmar que a divindade de Cristo é um dogma querido e imposto pelo imperador Constantino no Concílio de Nicéia. A contribuição dos Padres de Nicéia, e em particular de Atanásio, foi, antes de mais nada, a de remover os obstáculos que haviam impedido até então um reconhecimento pleno e sem reticências da divindade de Cristo nas discussões teológicas.

Um desses obstáculos era o hábito grego de definir a essência divina com o termo agennetos, ingênito. Como proclamar que o Verbo é verdadeiro Deus, uma vez que ele é Filho, ou seja, gerado do Pai? Era fácil para Ario estabelecer a equivalência: gerado, igual feito, ou seja, passar gennetos a genetos, e concluir com a célebre frase que fez explodir o caso: “Houve um tempo em que não havia” (en ote ouk en). Isso era equivalente a fazer de Cristo uma criatura, embora não “como as outras criaturas”. Atanásio resolve a disputa com uma observação elementar: O termo agenetos foi inventado pelos gregos porque ainda não conheciam o Filho[5]” e defendeu com garra a expressão “gerado, mas não feito”, genitus non factus, de Nicéia.

Outro obstáculo cultural para o pleno reconhecimento da divindade de Cristo, no qual Ario podia apoiar a sua tese, era a doutrina de uma divindade intermediária, o deuteros theos, responsável pela criação do mundo. De Platão em diante, isso tornou-se um dado comum em muitos sistemas religiosos e filosóficos da antiguidade. A tentação de assimilar o Filho, “por meio do qual todas as coisas foram criadas”, a esta entidade intermediária ficava insinuando-se na especulação cristã (Apologistas, Orígenes), embora estranha à vida interna da Igreja. O resultado era um esquema tripartido do ser: no topo, o Pai ingênito; depois dele, o Filho (e mais tarde também o Espírito Santo); em terceiro lugar, as criaturas.

A definição do “genitus non factus” e do homoousios, remove este obstáculo e obra a catarse cristã do universo metafísico dos gregos. Com esta definição, uma única linha de demarcação é desenhada sobre a vertical do ser. Existem apenas dois modos de ser: o do criador e o das criaturas e o Filho se coloca no primeiro modo, não no segundo.

Querendo colocar em uma frase o significado perene da definição de Nicéia, poderíamos formular desta forma: em cada época e cultura, Cristo deve ser proclamado “Deus”, não em algum significado derivado ou secundário, mas na acepção mais forte que a palavra “Deus” tem em tal cultura.

É importante saber o que motiva Atanásio e os outros teólogos ortodoxos na batalha, ou seja, de onde lhes vêm uma certeza tão absoluta. Não da especulação, mas da vida; mais precisamente, da reflexão sobre a experiência que a Igreja, graças à ação do Espírito Santo, faz da salvação em Cristo Jesus.

O argumento soteriológico não nasce com a controvérsia ariana; ele está presente em todas as grandes controvérsias cristológicas antigas, daquela antignóstica àquela antimonotelita. Na sua formulação clássica soa assim: “O que não é assumido não é salvo” (“Quod non est assumptum non est sanatum[6]”). No uso que lhe dá Atanásio, ele pode ser entendido da seguinte maneira: “Aquilo que não é assumido por Deus não é salvo”, onde a força está naquele breve adendo “por Deus”. A salvação exige que o homem não seja assumido por qualquer intermediário, mas pelo próprio Deus: “Se o Filho é uma criatura – escreve Atanásio – o homem permaneceria mortal, não estando unido a Deus”, e ainda: “O homem não seria divinizado, se o Verbo que se tornou carne não fosse da mesma natureza do Pai[7]”.

No entanto, é necessário fazer um esclarecimento importante. A divindade de Cristo não é um “postulado” prático, como é, para Kant, a própria existência de Deus[8]. Não é um postulado, mas a explicação de um dado de fato. Seria um postulado – e, portanto, uma dedução teológica humana – se partisse de uma certa ideia de salvação e dessa se deduzisse a divindade de Cristo como a única capaz de obrar tal salvação; no entanto, é a explicação de um dado se parte, como faz Atanásio, de uma experiência de salvação e mostra-se como ela não poderia existir se Cristo não fosse Deus. Em outras palavras, não é na salvação que se fundamenta a divindade de Cristo, mas é na divindade de Cristo que se fundamenta a salvação.

2. “Vós, quem dizeis que eu sou?”

Mas é hora voltar a nós e tentar ver o que podemos aprender hoje da épica batalha sustentada em sua época pela ortodoxia. A divindade de Cristo é a pedra angular que sustenta os dois mistérios principais da fé cristã; a Trindade e a encarnação. Elas são como duas portas que se abrem e se fecham juntas. Existem edifícios ou estruturas metálicas feitas de modo que se você tocar em um certo ponto, ou se levantar uma certa pedra, tudo desmorona. É assim o edifício da fé cristã, e esta sua pedra angular é a divindade de Cristo. Retire esta, tudo se desmorona e antes de mais nada, a Trindade. Se o Filho não é Deus, do que é formada a Trindade? Já o havia denunciado com clareza Santo Atanásio, escrevendo contra os arianos:

“Se o Verbo não existe junto com o Pai desde toda a eternidade, então, não existe uma Trindade eterna, mas primeiro houve a unidade e depois, com o passar do tempo, por acréscimo, começou a haver a Trindade[9]”.

Santo Agostino dizia: “Não é grande coisa acreditar que Jesus morreu; também os pagãos acreditam nisso, também os judeus e os réprobos; todo mundo acredita nisso. Mas é coisa realmente grande acreditar que ele ressuscitou. A fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo[10]”. A mesma coisa, assim como a morte e ressurreição, deve-se dizer da humanidade e divindade de Cristo, cuja morte e ressurreição são respectivas manifestações. Todos acreditam que Jesus seja homem; o que faz a diferença entre crentes e não-crentes é acreditar que ele seja Deus. A fé dos cristãos é a divindade de Cristo!

Temos de fazer-nos uma pergunta séria. Que lugar ocupa Jesus Cristo em nossa sociedade e na própria fé dos cristãos? Acho que podemos falar, a este respeito, de uma presença-ausência de Cristo. Em um certo nível – o do espetáculo e da mídia no geral – Jesus Cristo está muito presente. Em uma série infinita de histórias, filmes e livros, os escritores manipulam a figura de Cristo, às vezes sob o pretexto de imaginários novos documentos históricos sobre ele. Tornou-se uma moda, um gênero literário. Há especulações sobre a grande ressonância que tem o nome de Jesus e o que ele representa para uma grande parte da humanidade, para garantir ampla publicidade a baixo custo. Chamo tudo isso de parasitismo literário.

De um ponto de vista podemos dizer, portanto, que Jesus Cristo é muito presente em nossa cultura. Mas se olharmos para o âmbito da fé, ao qual ele pertence em primeiro lugar, notamos, pelo contrário, uma ausência perturbadora, ou até mesmo rejeição da sua pessoa. No que acreditam, realmente, aqueles que se definem “crentes” na Europa e em outros lugares? Acreditam, na maioria das vezes, na existência de um Ser supremo, de um Criador; acreditam que existe um “além”. Contudo, esta é uma fé deísta, não ainda uma fé cristã. Vários estudos sociológicos revelam este fato, mesmo em países e regiões de antiga tradição cristã. Jesus Cristo é praticamente ausente neste tipo de religiosidade.

Também o diálogo entre ciência e fé leva, sem querer, a colocar Cristo entre parenteses. Isso tem, de fato, por objeto Deus, o Criador. A pessoa histórica de Jesus de Nazaré não tem nenhum lugar ali. A mesma coisa acontece no diálogo com a filosofia que gosta de lidar com conceitos metafísicos, e não de realidades históricas, para não mencionar o diálogo inter-religioso, que discute paz, ecologismo, mas não de Jesus.

Basta um simples olhar ao Novo Testamento para compreender o quão longe estamos, neste caso, do significado original da palavra “fé” no Novo Testamento. Para Paulo é a fé que justifica os pecadores e dá o Espírito Santo (Gl 3.2), em outras palavras, a fé que salva, é a fé em Jesus Cristo, no seu mistério pascal de morte e ressurreição.

Já durante a vida terrena de Jesus, a palavra fé significa fé nele. Quando Jesus diz: “A tua fé te salvou”, quando repreende os apóstolos chamando-os de “homens de pouca fé”, não se refere à fé genérica em Deus, quer era normal nos judeus; fala de fé nele! Isso por si só refuta o argumento de que a fé em Cristo começa somente com a Páscoa e antes havia somente o “Jesus da história”. O Jesus da história já é aquele que postula fé nele e se os discípulos o seguiram é precisamente porque eles tinham uma certa fé nele, ainda que de modo imperfeito antes da vinda do Espírito Santo em Pentecostes.

Devemos deixar-nos tocar plenamente pela pergunta que Jesus dirigiu um dia aos seus discípulos, depois que estes lhe falaram as opiniões das pessoas sobre ele: “Mas vós, quem acreditais que eu sou?”, e daquela ainda mais pessoal: “Crês tu?” Crês realmente? Crês com todo o coração? São Paulo diz que “com o coração se crê para obter a justiça e com a boca se confessa para se ter a salvação” (Rm 10,10). “É das raízes do coração que a fé nasce”, exclama Santo Agostinho[11].

No passado, o segundo momento deste processo – que é a profissão da verdadeira fé, a ortodoxia – tomou tanta importância a ponto de deixar na sombra aquele primeiro momento que é o mais importante e que tem lugar nas profundezas ocultas do coração. Quase todos os tratados “Sobre a fé” (De Fide) escritos na antiguidade, falam das coisas que devem ser cridas, e não do ato de crer.

3. Quem é que vence o mundo

Temos de criar as condições para uma fé na divindade de Cristo sem reservas e sem reticências. Reproduzir o impulso de fé que deu origem à fórmula de fé. O corpo da Igreja produziu uma vez um esforço supremo, com o qual elevou-se, na fé, muito acima de todos os sistemas humanos e de todas as resistências da razão. Mais tarde, permaneceu o fruto deste esforço. A maré elevou-se uma vez a um nível máximo e deixou ali o sinal na rocha. Este sinal é a definição de Nicéia que proclamamos no Credo. No entanto, é necessário que se repita essa maré alta, não basta o sinal. Nâo basta repetir o Credo de Nicéia; é preciso renovar o impulso de fé que ocorreu então na divindade de Cristo e que não houve igual nos séculos. Disso temos novamente necessidade.

É necessário, acima de tudo, em vista de uma nova evangelização. São João, na sua Primeira Carta, escreve: “Quem é que vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?” (1 Jo 5,4-5). Precisamos entender bem o que significa “vencer o mundo.” Não significa auferir mais sucesso, dominar no cenário político e cultural. Isso seria o contrário: não vencer o mundo, mas mundanizar-se. Infelizmente não faltaram épocas em que se caiu, sem perceber, neste equívoco. Pense nas teorias das duas espadas, ou do triplo reino do soberano pontífice, embora devemos ter sempre o cuidado de não julgar o passado com os critérios e as certezas do presente. Do ponto de vista temporal, acontece precisamente o contrário, e Jesus declara isso antecipadamente aos seus discípulos: “Chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se alegrará” (Jo 16, 20).

Fica assim excluído qualquer triunfalismo. Trata-se de uma vitória de um tipo bem diferente: de uma vitória sobre aquilo que também o mundo odeia e não aceita de si mesmo: a temporalidade, a caducidade, o mal, a morte. Isso, de fato, é o que significa, em seu sentido negativo, a palavra “mundo” (kosmos) no Evangelho. É neste sentido que Jesus disse: “Tende coragem, eu venci o mundo” (Jo 16, 33).

Como Jesus venceu o mundo? Certamente não derrotando inimigos com “dez legiões de anjos”, mas sim, como diz Paulo “vencendo a inimizade” (Ef 2, 16), ou seja, tudo aquilo que separa o homem de Deus, o homem do homem, um povo de outro povo. Para que não houvesse dúvidas sobre a natureza desta vitória sobre o mundo, ela é inaugurada com um triunfo todo especial, o da da cruz.

Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8, 12). São as palavras mais frequentemente reproduzidas na página do livro que o Pantocrator segura nas mãos nos mosaicos antigos, como naquele famoso da catedral de Cefalu. Dele o evangelista diz: “Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo 1,4). Luz e vida, Phos e Zoè: Estas duas palavras têm em grego a letra central (um ômega) em comum e muitas vezes se encontram cruzadas, escritas uma na horizontal e outra na vertical, formando um poderoso e muito difundido monograma de Cristo.

O que mais deseja o homem, que não sejam estas duas coisas: luz e vida? De um grande espírito moderno, Goethe, sabe-se que morreu murmurando: “Mais luz!”. Talvez ele estivesse se referindo à luz natural que queria que entrasse em maior medida no seu quarto, mas à frase sempre foi atribuída, com razão, um significado também metafórico e espiritual. Um amigo meu que retornou à fé em Cristo depois de passar por todas as experiências religiosas imagináveis e inimagináveis, contou a sua história em um livro intitulado “Mendigo de luz” (Tradução livre de “Mendicante di luce”, ndt). O momento crucial foi quando, no meio de uma meditação profunda, ouviu ecoar em sua mente, sem que pudesse fazer calar, as palavras de Cristo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida[12]”. Ao longo das linhas do que o apóstolo Paulo disse aos atenienses no Areópago, somos chamados a dizer com toda a humildade para o mundo de hoje: “Aquilo que vós buscais, às apalpadelas, nós vos anunciamos” (Cf. At 17, 23.27).

“Deem-me um ponto de apoio – teria exclamado o inventor da alavanca, Arquimedes – e eu moverei o mundo”. Quem crê na divindade de Cristo é alguém que encontrou este ponto de apoio. “Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, mas ela não caiu, porque estava alicerçada na rocha” (Mt 7,25).

4. “Felizes os olhos que veem o que vocês veem!”

No entanto, não podemos terminar a nossa reflexão sem recolher também o apelo que ela contém, não somente em vista da evangelização, mas também da nossa vida e testemunho pessoal. No drama de Claudel “O pai humilhado” (Tradução livre de “Il padre umiliato”, ndt) ambientado em Roma no tempo do beato Pio IX, há uma cena muito sugestiva. Uma menina judia, linda, mas cega, passeia à noite, no jardim de uma villa romana com o sobrinho do Papa Orian apaixonado por ela. Jogando com o duplo significado da luz, o físico e o da fé, em um certo ponto, “sussurrando e com ardor”, ela diz ao amigo cristão:

“Mas, vós que nos vedes, o que fazeis da luz? […] Vós que dizeis viver, o que fazeis da vida[13]?”

É uma questão que não podemos deixar cair no vazio: o que nós cristãos fazemos da nossa fé em Cristo? Mais ainda, o que faço eu da minha fé em Cristo? Jesus um dia disse aos seus discípulos: “Bem-aventurados os olhos que vêem o que vocês veem!” (Lc 10,23; Mt 13,16). É uma daquelas afirmações com as quais Jesus, em diversas ocasiões, tenta ajudar os seus discípulos a descobrir sozinhos a sua verdadeira identidade, não podendo revelá-la diretamente por causa da sua falta de preparação para acolhê-la.

Sabemos que as palavras de Jesus são palavras que “não passarão jamais” (Mt 24, 35), são palavras vivas, dirigidas a qualquer um que as ouça com fé, em todo momento e lugar da história. É a nós, portanto, que ele diz, agora e aqui: “Felizes os olhos que veem o que vós vedes!” Se nós nunca refletimos seriamente sobre o quanto somos afortunados, nós, que cremos em Cristo, talvez seja a ocasião para fazê-lo.

Por que “bem-aventurados”, se os cristãos não têm certo mais motivo do que os demais para alegrar-se neste mundo e, pior, em muitas regiões da terra são continuamente expostos à morte, precisamente por causa de sua fé em Cristo? A resposta é dada por ele mesmo: “Porque vedes!”. Porque conheceis o sentido da vida e da morte, porque “vosso é o reino dos céus”. Não no sentido de “vosso e de ninguém mais” (sabemos que o reino dos céus, na sua perspectiva escatológica, vai muito além dos confins da Igreja); “vosso” no sentido de que vós já sois parte, provais as primícias. Vós me tendes!

A frase mais bonita que uma esposa pode dizer ao esposo e vice-versa, é: “Você me fez feliz!” Jesus merece que a sua esposa, a Igreja, lhe diga do profundo do coração. Eu lhe digo e convido-vos, Veneráveis Padres, irmãos e irmãs, a fazer o mesmo. Hoje mesmo, para não esquecermos.

Tradução de Thácio Siqueira

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